Alvaro P. Crósta*
A CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), órgão ligado ao MEC, e o CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), ligado ao MCTI, formam a base sobre a qual se sustenta praticamente toda a pesquisa e a pós-graduação brasileiras.
Para exercer esse papel fundamental para o desenvolvimento científico e tecnológico do país, esses órgãos necessitam contar com gestores experientes, capazes de fazer frente aos enormes desafios enfrentados pela humanidade, em um momento em que sua própria existência é colocada em risco por pandemias, mudanças climáticas, carência de recursos naturais, entre vários outros temas de suprema e vital importância.
Mas o que está ocorrendo sob a égide do atual governo federal, liderado por um governante negacionista e anti-ciência, é justamente o oposto disso. A começar pelos respectivos ministros, ambos pessoas com profundas limitações para compreender a importância das pastas que, supostamente, dirigem, bem como dos órgãos a elas vinculados. Vale destacar que o ministro da Ciência, Tecnologia e Inovações, o ex-astronauta Marcos Pontes, tem dedicado parte considerável de sua agenda para atividades mais “importantes”, como participar de motociatas com o presidente da República e receber em audiência a deputada alemã que lidera um partido neo-nazista.
O recente “apagão” das várias plataformas digitais do CNPq, que durou mais de duas semanas e foi apenas parcialmente reestabelecido ontem, é apenas mais um sinal do desmonte vivido pelo órgão. Todo um ecossistema de fomento à pesquisa e à pós-graduação é totalmente dependente dessas plataformas, desde editais de pesquisa, análise de propostas, análise e concessão de bolsas de estudo, entre muitos outros. Os sucessivos comunicados supostamente “tranquilizadores” da direção do órgão sobre o problema só revelaram a enorme vulnerabilidade do sistema, que teria de ter um grau estratégico de redundância para fazer frente a eventuais falhas, e aparentemente não tem. O que se sabe é que faltam investimentos não somente para as atividades-fim, como mostram os vários editais regulares cancelados nos últimos dois anos (como o Edital Universal), mas também para manutenção da infraestrutura, como mostra esse “apagão” das plataformas digitais.
Já a CAPES vem sofrendo sucessivas e desastrosas trocas no seu comando no último biênio, que culminaram em abril com a exoneração do defensor do “design inteligente” (um eufemismo para designar o criacionismo que tenta contrapor a Teoria da Evolução), Prof. Benedito Aguiar Neto, e a nomeação da Profa. Cláudia Queda de Toledo. A nova presidente até ser nomeada para a CAPES exercia o cargo de reitora de um negócio familiar de educação superior, o Centro Universitário de Bauru (antigo Instituto Toledo de Ensino), fundado por seu pai.
Entre os destaques do currículo acadêmico da referida professora constam o fato de ter sido coordenadora de um curso de pós-graduação que recebeu nota 2 na avaliação da CAPES de 2017 (em uma escala que vai de 1 a 7), e o grau de doutora em Direito pela própria instituição e por esse mesmo curso que coordenava. De resto, não se encontrou nenhuma evidência de que reuniria experiência mínima como gestora para assumir a responsabilidade por uma agência da dimensão, importância e conexões nacionais e internacionais como a CAPES. Por esse motivo, à época da sua nomeação, inúmeras entidades e associações científicas, tendo à frente a Academia Brasileira de Ciências (ABC) e a Coalizão Ciência e Sociedade, manifestaram seu repúdio pela não observância de critérios de competência e de qualificação na escolha dos dirigentes da CAPES pelo atual ministro da Educação, o professor e pastor Milton Ribeiro. Segundo o documento divulgado pela ABC, a nomeação da Profa. Cláudia de Toledo representou uma afronta à memória do eminente educador Anísio Teixeira, fundador e primeiro presidente da CAPES.
Tendo esperado baixar a poeira de sua lamentável nomeação, eis que na semana que se encerrou a presidente da CAPES decide exonerar o Diretor de Relações Internacionais (DRI) e nomear para o cargo Livia Palumbo, sua orientanda de doutorado no Centro Universitário de Bauru. Não satisfeita, e aproveitando o ensejo, exonerou também o Coordenador Geral de Programas da mesma DRI e nomeou Lucas Felippe Bacas para o cargo, que até então era professor de história do mesmo Centro Universitário de Bauru. Desnecessário dizer que nenhum desses dois novos dirigentes da CAPES tem qualquer experiência em coordenação de redes de colaboração internacional, ou qualquer outro atributo que os qualifiquem para exercerem os cargos para os quais foram nomeados.
Uma breve visita aos dados dessas três pessoas registrados na Plataforma Lattes (que aliás estava fora do ar na semana em que as nomeações foram feitas) revela indicadores abaixo de medíocres do ponto de vista tanto de gestão, como do exercício acadêmico. Novamente, entidades e associações científicas, incluindo a ABC e a Sociedade Brasileira Para o Progresso da Ciência (SBPC), emitiram notas de repúdio, sem maiores consequências...
Assim, a CAPES vai ser tornando um “puxadinho” do Centro Universitário de Bauru, em uma clara demonstração (mais uma!) da caquistocracia* que tomou de assalto o governo federal.
* Caquistocracia é o sistema de governo onde os líderes são os piores, menos qualificados e/ou mais inescrupulosos cidadãos.
O artigo foi publicado originalmente no site Brasil247.
Alvaro P. Crósta é professor titular do Instituto de Geociências da Unicamp.
Imagem: Pixabay
Observação: Esse texto é de responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião do Instituto de Geociências.