Lideranças de 27 delegações internacionais do G20 tiveram a oportunidade de ver de perto a estação de pesquisa do programa científico AmazonFace, nesta quarta-feira (18). Essa foi a maior recepção já realizada no sítio experimental do projeto, localizado em uma zona florestal distante cerca de 80 km de Manaus (AM).
“Mostramos ao mundo a ciência de alta qualidade que estamos construindo aqui. As pessoas ficaram maravilhadas com a magnitude do experimento”, declarou o pesquisador e coordenador científico do AmazonFace, David Lapola, que integra o Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas Aplicadas à Agricultura (Cepagri) da Unicamp.
O eixo central do projeto consiste em um conjunto de torres que vão emitir ar enriquecido em gás carbônico em uma área da floresta amazônica já madura. O objetivo é monitorar os impactos da exposição da floresta à concentração elevada de CO2.
A visita fez parte da programação oficial do Grupo de Trabalho de Pesquisa e Inovação do G20, realizada em Manaus entre os dias 16 e 19 de setembro, com o tema “Inovação Aberta para o Desenvolvimento Justo e Sustentável”.
Além da divulgação científica, o evento pretende abrir caminho para possíveis novos acordos internacionais de cooperação. “Esse é um projeto de grande monta, que demanda muitos recursos. Então, é muito positivo que outros países conheçam esse esforço científico”, avalia Lapola.
As atividades do grupo de trabalho na capital amazonense estiveram a cargo do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), que abriga o AmazonFace por meio do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa). Desde 2021, o programa conta com o apoio do Reino Unido, que, até março deste ano, investiu cerca de 7,3 milhões de libras (cerca de R$ 53 milhões), na maior colaboração científica entre os dois países.
Durante a visita, os delegados puderam contemplar a floresta e a infraestrutura do experimento em um “sobrevoo” realizado a 45 metros de altura, acima da copa das árvores, com um guindaste. O reitor da Unicamp, Antonio José de Almeida Meirelles, e a coordenadora da Coordenadoria de Centros e Núcleos Interdisciplinares de Pesquisa (Cocen) da Universidade, Raluca Savu, participaram do encontro, como integrantes da delegação brasileira, e aproveitaram a oportunidade para realizar o sobrevoo, acompanhados por Lapola.
“Pessoalmente, tive uma experiência única. Mas o importante a destacar é a relevância desse experimento para nos trazer informações baseadas em ciência sobre os efeitos da concentração amplificada de gás carbônico”, declarou o reitor logo após a descida.
“O AmazonFace é uma das mais importantes iniciativas das quais a Unicamp participa. Importa, porém, relembrar nosso compromisso como instituição com todas as questões relacionadas aos efeitos das mudanças climáticas e à transição para uma economia baseada em recursos renováveis.”
Como parte das contribuições da Universidade ao enfrentamento das mudanças climáticas, o reitor mencionou o radar meteorológico recentemente adquirido pelo Cepagri. “Temos também todo um conjunto de pesquisadores procurando formas mais eficientes de produzir bioenergia e energia fotovoltaica, além de várias outras iniciativas relacionadas à transição energética.”
A ministra do MCTI, Luciana Santos, acompanhou a visita e destacou a influência da Amazônia na América do Sul e no clima global, bem como a importância da ciência, da tecnologia, da inovação e da cooperação internacional para o enfrentamento das mudanças no clima.
“O AmazonFace fornecerá aos tomadores de decisão informações precisas para as políticas públicas sobre a questão climática”, declarou a ministra, em um breve discurso realizado no início da recepção, destacando que a “excelência científica dos pesquisadores brasileiros é reconhecida em todo o mundo”.
“A mudança do clima representa o maior desafio da humanidade. Mas sou otimista. Prefiro observar isso pelo prisma da oportunidade de corrigir desigualdades históricas e estruturais”, avaliou.
A ministra finalizou o discurso indicando a responsabilidade de todos no enfrentamento das crises climáticas, “em especial dos países detentores de tecnologia para fornecer respostas e condições a fim de que a humanidade viva toda a sua capacidade transformadora”.
A conselheira científica-chefe do Foreign, Commonwealth & Development Office (FCD) britânico e líder da delegação do Reino Unido na reunião ministerial, Charlotte Watts, destacou a importância da colaboração entre os países no campo científico.
“É um verdadeiro privilégio estar aqui hoje, visitando o AmazonFace. Finalmente estar aqui, na Floresta Amazônica, para ver a escala do projeto e ter a chance de falar e aprender com a brilhante equipe que o lidera é inspirador”, afirmou.
Watts ressaltou o impacto significativo da parceria entre os dois países, mencionando que o Reino Unido é o segundo maior parceiro científico do Brasil. Para ela, o AmazonFace representa um dos maiores exemplos do que a cooperação internacional pode alcançar.
“Tenho orgulho da importante contribuição científica e do investimento do Reino Unido nesse experimento”, declarou, enfatizando a relevância dos dados gerados pelo projeto para a ciência do clima.
A conselheira também expressou otimismo com os resultados do experimento. “Os importantes dados gerados pelo AmazonFace vão nos ajudar a moldar as projeções da ciência do clima. Estou ansiosa para ver os primeiros resultados.”
Programa entra em nova fase
A visita das delegações do G20 ao sítio experimental ocorreu no dia seguinte ao lançamento do Plano Científico do AmazonFace para o período de 2025 a 2030, em reunião executiva da plenária do G20. O governo brasileiro está investindo inicialmente R$ 32 milhões nessa nova fase, por meio do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT).
A coordenadora da Cocen destacou o aspecto interdisciplinar do programa, dividido em seis componentes: carbono, nutrientes, água, biodiversidade, impactos socioeconômicos e integração experimento-modelagem.
“Conhecer o AmazonFace representa uma oportunidade de testemunhar como a interdisciplinaridade se coloca no centro da ciência do século XXI. Esse projeto não é apenas um estudo sobre ecologia ou climatologia, mas uma convergência de diversas áreas do conhecimento, como microbiologia, modelagem computacional, ciências sociais e econômicas, todas trabalhando juntas para enfrentar um dos maiores desafios contemporâneos”, declarou Savu.
Marko Monteiro, co-lider da Área de pesquisa socioambiental, também ressaltou a relevância de um projeto de grande escala e interdisciplinar abarcar um componente onde o social é central. “Não é comum, infelizmente, que grandes projetos de ciência básica incorporem as ciências sociais. Nosso desafio é trabalhar junto com os outros cientistas nesse grande esforço interdisciplinar, a fim de mostrar as enormes implicações sociais, políticas e econômicas das mudanças do clima”, avaliou.
Atualmente, o projeto se encontra na fase final de construção, com a maior parte da infraestrutura pesada já instalada. Falta sobretudo a infraestrutura mais leve, também trabalhosa devido à alta complexidade do projeto. Após essa última fase de instalação, o experimento deve ser iniciado em meados de 2025.
O AmazonFace busca resolver uma das maiores fontes de incerteza em relação ao futuro da Amazônia. “Como o aumento de CO2 atmosférico afeta a floresta, a biodiversidade que ela abriga e os serviços ecossistêmicos que fornece à humanidade?”. Para isso, o projeto vai preencher uma lacuna crítica na ciência climática mundial ao empregar, pela primeira vez, a tecnologia Free-Air CO2 Enrichment (Face) em uma floresta tropical.
As impactantes estruturas erguidas na floresta para a realização do experimento são chamadas de “aneis Face”. Cada anel é composto por dezesseis torres de 35 metros de altura, dispostas em um círculo de 30 metros de diâmetro.
Haverá no total seis anéis – cinco já estão construídos e o sexto está em construção –, quatro guindastes grua de 45 metros e cilindros de CO2 acoplados a sensores e canos de gás. Ao lado de cada anel, um contêiner abriga a parte computacional do sistema.
O programa espera fornecer dados ao longo dos próximos dez anos. Durante esse período, três dos anéis vão injetar ar com uma concentração de gás carbônico 500 ppm (partes por milhão) maior que a da atmosfera atual. Os outros três servirão de controle, com uma construção idêntica, que injetará ar atmosférico normal. A comparação dos dados servirá para entender os efeitos de “fertilização de gás carbônico” no ecossistema.
Em Manaus, o AmazonFace também foi apresentado em um seminário científico realizado em paralelo às reuniões do G20 e que reuniu diversos especialistas na sede do Inpa, entre os dias 17 e 18, para debater temas relacionados ao progresso da região amazônica. Na quinta-feira (19), uma comitiva internacional de cientistas que participaram do seminário visitou o sítio experimental.
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