Levantar e analisar os desafios e possíveis resultados da implementação de práticas de Administração e Gestão de Projetos de Pesquisa (AGPP) por Instituições Públicas de Pesquisa (IPPs) brasileiras na busca por mais eficiência na gestão de projetos de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (PD&I). Esse foi o principal objetivo de Fernanda Stringassi de Oliveira em sua dissertação de mestrado “Administração e Gestão de Projetos de Pesquisa e sua contribuição às atividades de pesquisa, desenvolvimento e inovação: estudo de caso da Embrapa”, que foi orientada pela docente Maria Beatriz Machado Bonacelli e defendida em meados de fevereiro no Programa de Pós-Graduação em Política Científica e Tecnológica (PCT), do Instituto de Geociências (IG) da Unicamp.
Os resultados encontrados no estudo demonstram a amplitude do tema de AGPP, que é o conjunto de rotinas de liderança, gestão e apoio às atividades de pesquisa que permeia os níveis operacionais, táticos e estratégicos, tanto dentro das IPPs, como nas redes de colaboração e estruturas de governança em que participam. Segundo Fernanda, os processos de AGPP têm conexão com os processos de gestão da inovação. Dessa forma, estão relacionados ao aumento da eficiência da gestão dos recursos (humanos, financeiros, de infraestrutura) dos projetos de pesquisa. “Para ser efetivo, é preciso ter uma área de apoio garantindo, por exemplo, que as normas de ética na pesquisa estão sendo usadas de forma adequada, que está se cuidando adequadamente da propriedade intelectual desses resultados e que está se fazendo um bom uso da legislação. Tudo isso afeta a gestão da inovação e o avanço do desenvolvimento dos projetos de pesquisa”, aponta Fernanda. “Ao entender as práticas e os processos que essa área define, como é composta e como ela se reflete no ciclo de vida dos projetos de pesquisas, pode-se melhorar tais ações para dar mais eficiência para essas instituições públicas”, continua.
Segundo a agora mestre em PCT, o primeiro achado da pesquisa foi justamente entender a amplitude da AGPP no país e como o Brasil vem desenvolvendo a institucionalização dessas práticas . “Essa área está evoluindo mais agora devido a alguns aspectos de desenvolvimento da ciência e tecnologia dos últimos 20 anos no Brasil, como a organização dos fundos setoriais, políticas de inovação e leis de incentivo”, lembra a pesquisadora. Já a docente Maria Beatriz Bonacelli lembra que “a partir dos anos 1990 ficou mais patente a necessidade de expandir novos parceiros nas redes de inovação e pesquisa e diversificar fontes de financiamento”.
Em seus estudos, Fernanda encontrou possíveis ações para as instituições aprimorarem suas práticas. Uma delas é o reconhecimento da importância da AGPP. “Tanto o líder quanto os próprios pesquisadores precisam reconhecer essa área”, ressalta Maria Beatriz Bonacelli. “Administrar projetos de pesquisa, bolsas e auxílios; realizar e acompanhar contratos - esses trâmites têm muitas complexidades e uma pessoa especializada ajuda. Uma vez que se toma consciência da AGPP, é preciso definir o escopo de atuação da área porque permeia todo o ciclo de vida de um projeto”, ressalta Fernanda. No entanto, é importante haver uma boa governança.
Estudo de caso
Para entender na prática como essas ações vêm sendo aplicadas, Fernanda realizou em sua dissertação, um estudo de caso sobre a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), onde trabalha há seis anos. A pesquisadora enviou um questionário para as 42 unidades espalhadas pelo Brasil. Desse total, 24 responderam (57%). “Identifiquei que a Embrapa tem realizado várias iniciativas que visam buscar melhorias em suas práticas de administração e gestão da pesquisa. Várias dessas unidades têm departamentos ou pessoas alocadas nesses processos de AGPP. Identifiquei ainda que a sede em Brasília também está preocupada em promover capacitações. No âmbito mais estratégico, as unidades estão tentando melhorar algumas normas”, revela. Do total de unidades que respondeu a pesquisa, 37,5% tem escritórios formais de AGPP e cerca de 33% tem pessoas dedicadas ao setor.
De acordo com Fernanda, os projetos na Embrapa são multiunidades, o que traz complexidade e demanda uma administração e gestão de projetos mais profissionalizada. “A Embrapa é amplamente reconhecida pelo seu sistema de gestão do portifólio de projetos, mas como as unidades têm autonomia para definir sua forma de trabalho, não existe até o momento uma governança quanto à forma como as atividades diárias dos projetos são administradas. As iniciativas identificadas estão muito pulverizadas. Seria interessante ter uma governança sobre esse assunto para que todas as unidades consigam usufruir dos seus avanços, sem um engessamento ou uma estratégia que não dê conta da diversidade das atividades de pesquisa da Empresa”, reflete a mestre.
No caso da Unidade de Campinas (Embrapa Informática Agropecuária), em que Fernanda aprofundou seus estudos, os pesquisadores têm reconhecido que essas práticas têm melhorado a eficiência dos processos administrativos. Fernanda lembra que gerir grandes projetos, que envolvem outras unidades ou instituições, não é trivial. “O pesquisador que se dedica às atividades de ciência e tecnologia muitas vezes não é preparado ou capacitado para administrar e geralmente são projetos grandes, com outros parceiros, com outras instituições. As unidades que têm esse tipo de estrutura de apoio à administração e gestão dos projetos de pesquisa reconhecem que têm ajudado os pesquisadores na gestão tanto de recursos humanos quanto nos financeiros e de infraestrutura necessária para execução dos projetos”, aponta.
Maria Beatriz Bonacelli recorda que o Laboratório de Estudos sobre Organização da Pesquisa e da Inovação (Geopi) do Departamento de Política Científica e Tecnológica (DPCT) do IG vem trabalhando com essa temática há longa data. “Tratamos muito da gestão da pesquisa em IPPs nos anos 1990, 2000 - como essa atividade precisava ser profissionalizada nas instituições e não deixar a cargo de pesquisadores, cientistas ou mesmo técnicos, mas a dissertação deu outro ar para esses trabalhos, pois não ficou no nível da gestão, aprofundando-se no nível da administração e mesmo operacionalidade das ações de AGPP, detalhando-as no estudo de caso”, ressalta.
Artigos publicados
De acordo com a orientadora, a qualidade do trabalho apresentado foi superior à que se espera de uma dissertação de mestrado. “Em alguns programas de pós-graduação da Unicamp, há a possibilidade da dissertação ou da tese ser apresentada em forma de artigos científicos. A dissertação da Fernanda é um compilado de artigos. No DPCT há regras para isso e ela superou o requisito mínimo, que é ter um artigo aceito para publicação no mestrado. Ela teve dois publicados em revistas de reconhecimento da área e tem outros três, que são os demais capítulos, já encaminhados. Isso é muito difícil de ocorrer no mestrado”, destaca a docente. Um artigo foi publicado no Journal of Technology Management & Innovation e o outro na Revista Eletrônica de Administração.
Texto: Eliane Fonseca
Fotos: Eliane Fonseca e arquivo pessoal