Artigo publicado originalmente no Jornal da Unicamp
Por Alvaro Crósta
A nave espacial DART, sigla para “Teste de Redirecionamento de Asteroide Duplo”, lançada pela NASA em novembro de 2021, chegou ao seu destino no dia 26 de setembro, cumprindo com êxito sua desafiadora tarefa: colidir com o asteroide Dimorfos a uma velocidade de mais de 21 mil km/h! Esta missão é parte de um projeto mundial de defesa planetária que, de maneira inédita, está testando a possibilidade de desviar a trajetória de asteroides que futuramente apresentem risco de colidir com nosso planeta.
Lembremos que, há 66 milhões de anos, o choque de um asteroide com cerca de 10 km de diâmetro na região onde hoje estão a Península de Yucatán e o Golfo do México formou uma cratera com 180 km de diâmetro. Esse evento catastrófico resultou na extinção de cerca de 75% das espécies animais e vegetais então existentes, levando ao desaparecimento dos dinossauros.
A Terra está sob ameaça potencial permanente de colisões com corpos de rocha, metal ou gelo que vagam pelo espaço, incluindo meteoritos, asteroides e cometas. Embora sejam eventos raros e distribuídos ao longo do tempo geológico, eles têm uma capacidade quase inimaginável de destruição, representando, assim, riscos potenciais gravíssimos para nosso planeta e, por decorrência, para a civilização humana.
Exemplos disso são as 200 crateras existentes atualmente na Terra, produzidas pelo impacto de corpos celestes, de todos os tamanhos. Nove delas encontram-se no Brasil, com dimensões variando entre 4,5 e 40 km de diâmetro, sendo esta última o Domo de Araguainha. Esta cratera é a maior conhecida na América do Sul e foi recentemente incluída pela União Internacional das Ciências Geológicas, ligada à Unesco, na lista dos 100 sítios geológicos de interesse científico e cultural de maior importância do mundo.
Um evento de quase-colisão, ocorrido em 13 de fevereiro de 2013 próximo à cidade de Chelyabinsk, na Rússia, deixou bem evidente esse tipo de risco. Na manhã desse dia, um meteoro com 20 metros estimados de diâmetro entrou na atmosfera a uma velocidade de 69 mil km/h e explodiu a 30 quilômetros de altitude. Mesmo a essa altitude elevada, as ondas de choque produzidas pela explosão chegaram até a superfície e atingiram a cidade de cerca de 1 milhão de habitantes, resultando em quase 1,5 pessoas feridas por estilhaços de vidros que se quebraram em razão das ondas de choque.
Colisões desse tipo, além de catastróficas, têm outra característica: são o único tipo de desastre natural que pode ser previsto com antecedência. Corpos celestes com mais de 140 metros de diâmetro têm sido descobertos e suas órbitas determinadas ao longo das últimas décadas. Para estes, o risco de impacto contra a Terra é calculado, e não existe previsão de nenhum perigo de colisão à vista, ao menos pelos próximos séculos. Contudo, são relativamente poucos os corpos abaixo de 140 m de diâmetro já conhecidos. Apesar de parecerem pequenos, um corpo dessa dimensão que venha a colidir com a Terra, ou mesmo que exploda na atmosfera, oferece grande risco potencial, pois poderia destruir cidades ou regiões inteiras, levando junto todos os seres vivos que ali habitam.
Embora previsíveis, ainda não existiam formas de remediar um desastre natural desse tipo. É justamente aí que entra a missão DART. Trata-se, como o nome diz, de testar um método para desviar um asteroide de sua trajetória no espaço, simulando uma situação em que um desses corpos que eventualmente viesse a ameaçar a Terra pudesse ser desviado logo que descoberto, portanto, a tempo de evitar uma catástrofe.
Para executar o projeto, foi escolhido um sistema binário de asteroides. Esse sistema tem um asteroide principal, chamado Dídimos, com 780 metros de diâmetro, e um asteroide secundário, uma espécie de “lua” do asteroide principal, o Dimorfos, com 160 metros. Esses dois asteroides não apresentam risco de impacto contra a Terra, e por isso foram escolhidos para o teste.
Este consistiu em dirigir a espaçonave DART contra Dimorfos, atingindo-o a uma velocidade de 21,6 mil km/h, procurando desviá-lo de sua trajetória natural. Esse método é chamado de “impacto cinético”, e a ideia é que mesmo que se consiga produzir apenas um pequeno desvio, o fato de o asteroide estar muito distante da Terra fará com que ele saia de uma trajetória potencialmente perigosa, levando-o a passar ao largo do nosso planeta.
Até a ocorrência do impacto, a missão teve êxito total. As imagens a seguir, obtidas tanto pela câmera a bordo da DART como também por um diminuto satélite chamado LICIACube, construído pela Agência Espacial Italiana (ASI) e que acompanhou a espaçonave DART com o objetivo de captar imagens, mostram a sequência de eventos. Primeiro, a visualização da DART em relação aos dois asteroides, seguidos da aproximação dela com Dimorfos e a última imagem frações de segundo antes do impacto.
A avaliação do sucesso pleno da missão terá ainda de aguardar alguns meses. Isso porque, a partir do impacto, as trajetórias de Dídimos e Dimorfos passaram a ser cuidadosamente acompanhadas por vários telescópios, tanto localizados na Terra como também pelos telescópios espaciais Hubble e James Webb. A espaçonave Lucy, também da NASA, igualmente irá dirigir seus instrumentos de observação para monitorar as trajetórias dos dois asteroides.
Além desses instrumentos de observação, em 2024, a missão Hera, da Agência Espacial Europeia (ESA), irá visitar os dois asteroides e fazer análises detalhadas das consequências do impacto da DART contra Dimorfos. Somente com os resultados dessas múltiplas observações saberemos se a estratégia deu certo e se o método do impacto cinético será ou não capaz de proteger a Terra contra futuras ameaças vindas do espaço.
Por enquanto, podemos comemorar o fato de que a tecnologia desenvolvida pelos serem humanos foi capaz de levar uma pequena espaçonave a acertar um alvo se movendo em altíssima velocidade, localizado a 11 milhões de quilômetros. Haverá ainda mais comemoração quando for comprovado que isso foi suficiente para desviar um asteroide de uma hipotética ameaça à Terra. Essa foi uma oportunidade que os dinossauros infelizmente não tiveram há 66 milhões de anos!
Fotos: NASA, ESA, CSA, JIAN-YANG LI (PSI), CRISTINA THOMAS, IAN WONG (NASA-GSFC)
Edição de imagem: Paulo Cavalheri