Matéria publicada originalmente no site da Unicamp.
Projeto financiado pelo CNPq conta com a colaboração interdisciplinar de 50 pesquisadores de várias instituições, entre elas, Universidad Autónoma Metropolitana do México e Universidade de Lisboa
Promover a participação social em processos de identificação, proteção e gestão do patrimônio, estabelecendo orientações gerais e parâmetros nas práticas institucionais de municípios, estados e União. Este é o objetivo principal do projeto “Inventário Participativo como instrumento para identificação e gestão do patrimônio cultural”, aprovado na chamada Pró-Humanidades 2022 do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), na linha 5B “Projetos em Rede – Políticas públicas para a promoção da cultura”.
O projeto está sob execução da Unicamp, com coordenação de Maria Tereza Duarte Paes, do Instituto de Geociências, e conta com a colaboração interdisciplinar de 50 pesquisadores das seguintes instituições: Universidade Federal do Pará (UFPA); Universidade de São Paulo (USP); Instituto Federal do Ceará (IFCE); Universidade Federal de Pernambuco (UFPE); Universidade Estadual do Maranhão (UEMA); Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Universidade Federal de Viçosa (UFV); Universidade de Brasília (UnB), Universidad Autónoma Metropolitana do México (UAM) e Universidade de Lisboa (PT).
De acordo com a coordenadora, docente do Departamento de Geografia, o projeto deve complementar a metodologia de inventários elaborada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). O inventário participativo pode trazer processos de identificação e gestão do patrimônio cultural, aproximando o cotidiano e as expectativas de populações locais. “Queremos fazer esses inventários trazendo a participação da população local, trabalhando em termos conceituais, teóricos e práticos a memória e o esquecimento”, destaca Tereza Paes. O inventário participativo, que irá investigar o patrimônio material, imaterial e natural, será realizado em quatro núcleos: no Centro Histórico de Belém (PA); no Centro Histórico de São Luís (MA); nos Monólitos de Quixadá e na barragem do Cedro (CE); e na Tecelagem São Martinho, em Tatuí (SP). “A ideia é dar visibilidade ao que ficou invisibilizado no patrimônio oficial, por meio da recuperação da memória enquanto registro”, aponta a docente da Unicamp.
O núcleo de Tatuí pretende inventariar o patrimônio industrial da Companhia de Fiação e Tecelagem São Martinho, que foi fundada em 1881 e tombada pelo estado em 2007. Nesse caso, o objetivo do projeto é formular uma proposta de tombamento federal a partir da memória operária. Já o inventário do Centro Histórico de São Luís, que foi reconhecido como patrimônio mundial pela UNESCO em 1997, possibilitará o acesso a conhecimentos atualizados de moradores e usuários do conjunto urbano, permitindo assim a elaboração de políticas públicas mais participativas e democráticas. “O núcleo de São Luís vai aplicar o inventário participativo na região do Desterro, que não tem a visibilidade de patrimônio como é colocado para o turismo. Então, pretendemos incluir essa população ainda excluída desse processo”, aponta a docente.
O inventário do Centro Histórico de Belém (PA), que foi tombado pelo IPHAN em 2012, pretende incorporar elementos naturais como a baía, o igarapé e os alagadiços, permitindo atualizar dados para serem encaminhados às instâncias federal, estadual e municipal. “Esse núcleo segue a mesma espinha dorsal da questão do esquecimento e da invisibilidade. Estamos buscando criar possibilidades de escuta dessas populações, até porque Belém é um caso mais particular, que não tem um grande núcleo ou conjunto paisagístico tombado e cuidado, possui edificações de valor histórico mais dispersas e um patrimônio degradado”, ressalta. A atuação do núcleo do Ceará buscará identificar os novos desafios resultantes da integração entre a natureza, com uma paisagem ímpar dos monólitos de Quixadá e na barragem do Cedro — áreas já tombadas pelo Iphan e incluídas na Lista Indicativa do Brasil para a Unesco —, e as transformações recentes.
Os quatro núcleos vão trabalhar com uma mesma metodologia baseada na proposta do Iphan (2016) Educação Patrimonial: Inventários Participativos – Manual de Aplicação, fundamentando-se na noção de referência cultural: objetos, práticas e lugares apropriados pela cultura na construção de sentidos de identidade. “Nesse momento, estamos na fase de levantamento de varredura, com o trabalho de revisão bibliográfica e documental, de modo a conhecer o histórico da localidade e dos bens, definir o território a ser inventariado e identificar a rede de parceiros e interlocutores e as problemáticas para uma primeira aproximação com os membros das localidades”, explica Tereza Paes. Em Belém e em São Luís, os pesquisadores já começaram os trabalhos de campo de aproximação com a população das áreas dos respectivos núcleos.
Como se trata de um grande projeto em rede, alinhado às políticas públicas, haverá participação de representantes de órgãos públicos, prefeituras, secretarias de turismo, de educação, de planejamento, escolas e de coletivos. “Nesse primeiro momento, estamos identificando quem são esses representantes”, diz a docente. “Em seguida, ocorrerá de fato a inserção da metodologia da pesquisa, como a elaboração das fichas e aplicação dos inventários participativos, a partir de uma série de oficinas, oficinas devolutivas, seminários e elaboração de diversos produtos”, complementa.
Ocorrerão quatro seminários regionais e dois nacionais que reunirão os quatro núcleos. O primeiro deles ocorrerá no final de agosto, em São Luís, na UEMA. O outro ocorrerá em 2024, na Unicamp. Além de aplicar os inventários, realizar seminários e promover oficinas de formação, será elaborado um Termo de Referência do Uso de Inventários Participativos nos municípios, estados e na união como contribuição para o desenvolvimento, formação e aplicação desta metodologia. “A ideia é criar o Termo de Referência para dialogar com o Iphan. O Termo deve auxiliar outros inventários participativos que pesquisadores e populações queiram desenvolver”, aponta a docente. Os quatro núcleos também promoverão devolutivas presenciais aos envolvidos localmente.
Dentre os resultados esperados, constam ainda a produção de um e-book e a constituição de um banco de dados. O e-book terá acesso gratuito e conterá os dossiês dos inventários, os procedimentos metodológicos, os resultados obtidos e o Termo de Referência proposto. O objetivo é fomentar a realização de Inventários Participativos sobre outros patrimônios culturais materiais e imateriais. Já o banco de dados conterá a documentação dos patrimônios inventariados, fotografias, iconografias, vídeos, mapas, entrevistas, depoimentos, acervo bibliográfico, documentos, fichas de inventários, entre outros conteúdos digitais com acesso amplo e irrestrito.
Por Eliane da Fonseca Daré
Imagens: arquivo do projeto
Edição de imagens: Alex Calixto